Abre aspas...

Conversas e citações o mais perto da realidade possivel...conforme a minha cabeça consiga reter, excertos de livros e algumas histórias

terça-feira, março 20

Sitio errado

Casa de banho publica, duas senhoras na casa dos 60, muito produzidas. Uma entra para um cubículo e a outra fica ao pé dos lavatórios com as malas. Passado algum tempo, ouvem-se repetidas descargas do autoclismo e a porta abre-se.

_Esta porcaria não vai para baixo. _ diz a senhora, meio entre dentes, ainda a carregar no autoclismo.
_ Hã?! _ responde a outra.
_ O papel não vai para baixo!
_ Então mas isso não é para pôr aí, tinha aí o caixote.
_ Mas eu pus, pronto. Que quer? _ pega nas coisas a pressa e empurra a outra_ Vamos embora vá, vá.




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quinta-feira, março 1

Excertos IV

"Neste últimos dias, vou-me apercebendo de que os meus sentimentos em relação aos homens e os de todas as outras mulheres estão a mudar. Fazem-nos pena, parecem tão infelizes e frágeis. O sexo mais fraco. Uma espécie de desapontamento colectivo cresce dentro de nós, mulheres. O domínio dos homens, do homem forte, o glorioso mundo nazi vacila… e com ele o mito «homem». Nas guerras de antigamente, os homens podiam proclamar que o privilégio de matar e de ser morto pela pátria lhes pertencia. Hoje, nós, as mulheres, participamos em tudo, facto que nos vai moldando e nos torna duras. No fim desta guerra, a par de muitas outras derrotas, fica também a derrota dos homens como machos."

"Quando o nosso professor de Historia sofreu um ataque cardíaco (…) foi substituído por uma recém licenciada. Uma estagiaria de nariz empinado, que rebentou como uma explosão na nossa aula. De forma atrevida, pôs em causa o nosso patriótico livro de Historia. (…) Depois de semelhantes atrevimentos, fita-nos com os seus olhos negros, levanta as mãos e faz-nos um apelo: «Raparigas, modifiquem o mundo. É disso que ele precisa!»
Por acaso, estavam a decorrer eleições para o Reichstang nessa altura. Todas as noites, havia comícios dos dez ou quinze maiores partidos. Passámos pelos nacional-socialistas, pelos centristas e democratas, pelos sociais-democratas e comunistas, erguemos a mão com os nazis para o cumprimento a Hitler e deixámos que os comunistas nos chamassem «camaradas». (…) Durante nove dias, penso eu, transcrevi fielmente as frases principais dos oradores, junto com as minhas observações juvenis. Ao décimo dia desisti, se bem que o meu caderno de apontamentos ainda tivesse muitas folhas em branco. Não consegui encontrar a saída daquele matagal político. Passou-se o mesmo com as minhas colegas. Cada partido tinha, segundo nos parecia, uma ponta de razão. Mas todos utilizavam tácticas duvidosas em que se evidenciavam os aldrabões, os caçadores de cargos políticos, em luta pelo poder. Nenhum partido, pensávamos nós, estava isento. A nenhum se podia aderir incondicionalmente. (…) Tudo o que cresce vai-se tornando imundo."

"Nós os alemães, não somos um povo de guerrilheiros. Necessitamos de comando e ordem. Em viagem, num comboio da União Soviética, que me sacudiu durante um dia inteiro pelo campo, disse-me uma vez um russo: «Os camaradas alemães só assaltam uma estação de comboios, se antes tiverem comprado o bilhete.» Por outras palavras e sem sarcasmo: a maioria dos alemães têm horror a ilegalidades descontroladas."

"De que vivem ambos? «Ainda temos um saco de sêmola e algumas batatas. Ah, sim, e o nosso cavalo!» «Cavalo?» Risos. E a dona da casa relata com gestos eloquentes: quando as tropas alemãs ainda dominavam a rua, alguém chegara à cave com a feliz noticia de que tinha caído um cavalo lá fora. Em menos de nada, todas as pessoas que encontravam na cave correram para a rua. Ainda o animal estremecia, fazendo rolar os olhos, e já as primeiras facas e canivetes eram espetados no seu corpo… tudo isto debaixo de fogo, evidentemente."

"Entretanto, o tema do álcool esteve em discussão. Herr Pauli ouviu dizer que fora dada uma ordem às tropas alemãs de nunca destruir as reservas de bebidas alcoólicas, devendo deixá-las para o inimigo que se aproximava, pois, de acordo com a experiência, o álcool retirava-lhes a força de lutar e atrasava o seu avanço. Trata-se de conversa de homens, só eles podem pensar assim. Deviam era reflectir, pelo menos durante dois minutos, sobre o assunto e perceberiam que a aguardente estimula o apetite sexual. Estou convencida de que, se os russos não tivessem encontrado tanta bebida em todo o lado, nem metade das violações teriam ocorrido. Estes homens não são nenhuns Casanovas. Têm de ser estimulados primeiro, têm de afogar as suas inibições. E eles sabem isso ou pressentem-no, se não, não estariam tão desesperados por álcool. Numa próxima guerra que seja travada na presença de mulheres e crianças (em protecção das quais os homens lutam, segundo dizem), antes da retirada das próprias tropas, cada gota de álcool devia ser despejada na sarjeta, sendo as lojas de bebidas destruídas e as fabricas de cerveja indo pelos ares. Ou, quanto a mim, deviam talvez organizar antes, e rapidamente, uma noite de borga para a sua própria gente. Enquanto as mulheres estão ao alcance do inimigo, o álcool devia desaparecer."

"Acabaram-se o transporte de água, o transporte infindável de baldes! Pelo menos para nós, no primeiro andar, pois mais tarde viemos a saber que a bênção da àgua termina no terceiro andar. Mesmo assim, as pessoas que habitam nos andares superiores podem agora ir buscar àgua ao pátio do nosso prédio ou às casas de conhecidos que moram mais abaixo. A isto devo ainda acrescentar que o sentido de comunidade que se estabelecera entre as pessoas do mesmo prédio, na defesa contra os ataques aéreos, está a desmoronar-se lentamente. À maneira das grandes cidades, cada um fecha-se dentro das suas quatro paredes e escolhe as suas relações com cuidado."
Livro Uma mulher em Berlim, Anónimo
Observação: O livro é um diario de uma mulher alemã que retrata a vida durante e pós a segunda guerra mundial, entre Abril e Junho de 1945. Para além das discrições do dia a dia, a autora vai relembrando episodios da sua vida, comparando-os com a sua situação "actual".