Culturas
“Compro um bilhete no primeiro «minibus» para Yaoundé, a capital dos Camarões. Pergunto a que horas chegaremos, respondem-me que depende das horas a que sairmos. É uma boa resposta: o «minibus» só arranca quando estiver cheio, ainda só está a metade.
Preciso de um visto para o Níger: será que há uma embaixada em Yaoundé? Peço uma lista telefónica na bilheteira da companhia rodoviária, gera-se um problema. Não sabem o que é. Um passageiro explica-lhes que é o «anuário», um outro discorda, o que eu quero é a «agenda das direcções», um outro ainda anula os dois primeiros e declara que eu preciso do «elenco dos assinantes».
Há uma pequena discussão, por fim alguém assegura que há um «livro de telefones» em Kye-Ossi: na cabeleireira Betty, que viveu uns anos na capital. Um parente de um passageiro leva-me à cabeleireira Betty: fico a saber que em 1998 não havia representação diplomática do Níger nos Camarões. Mas continuo a não saber se hoje, oito anos depois, existe. Terei de esperar até Yaoundé, conclui filosoficamente a cabeleireira Betty.
(…)
Tenho outro problema: a comida industrial traz consigo um corolário interminável de subprodutos industriais. Latas, plásticos, vidros, cartão, papel. O que fazer com eles? Simples: depositar tudo no próximo contentor de lixo que encontrar. Mas o meu problema é esse: ninguém sabe onde se encontrará o próximo contentor. Os meus companheiros de viagem não têm este problema, porque nem sabem que ele existe. É perfeitamente natural jogar pela janela fora todo o lixo produzido. É, aliás, de bom-tom. O que faz esse branco aí com o lixo? Guarda-o? Mas é um porco, onde já se viu viajar com toda essa imundice a apodrecer dentro desse saco de plástico aos seus pés. Ainda nos pega alguma doença. Um passageiro mais compreensivo assume que eu estou apenas distraído, e com a melhor das intenções aponta-me a janela. Pega no meu saco e, depois de me mostrar que o segura com ar de nojo, joga-o por fim pela janela fora com um sorriso severo.”
Viajante da revista Unica de 4 de Nov de 2006
por Gonçalo Cadilhe
2 Comments:
acho brilhante o modo como as outras pessoas observam aquilo que nós consideremaos um comportamento normal, como sendo algo surreal... quem, nos dias que correm, pode imaginar k é normal fazer o que o amiguito fez ao atirar o saco janela fora (bem, se calhar até muita acha normalissimo pois isso aé acaba sendo costume, mas enfim...) é de facto extraordinário o contacto com as diferentes culturas...
As diferentes culturas são o que torna os outros países tão interessantes... e por vezes problemáticos é um facto.
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